#Oscar2019 - No portal da eternidade: Um filme de imersão
Em 1888,
aos 35 anos de idade, decepcionado com o rumo de sua vida e movido por uma
necessidade visceral de capturar um instante e registrar o efêmero com
perfeição e paixão, Van Gogh deixa a fria e cinzenta Paris e vai para a
cidadezinha ensolarada e colorida de Arles, no sul da França. É lá, em total
comunhão com a natureza, que ele, embora pobre e doente, consegue, enfim, se
sentir realizado e produz suas obras mais impactantes e famosas. O que
acompanhamos em “No portal da eternidade” é muito mais que uma biografia de um
artista genial e controverso – passamos a enxergar por seus olhos, a caminhar
com suas pernas e a viver com uma mente caótica.
Para
Van Gogh (interpretado com maestria por Willem Dafoe), pintar era tão vital
quanto respirar, e é isso que o diretor e também pintor Julian Schnabel percebe
e retrata habilmente em seu filme. Mais importante que a fidelidade dos
detalhes das locações que servem de cenário para a produção é reproduzir as
sensações e os efeitos que esses locais tiveram sobre o biografado. O jogo que ele
propõe ao espectador é o da imersão: não basta acompanhar a trama, é preciso
fazer parte dela, enxergar as cores vívidas da natureza, notar as mudanças de
luz, sentir a brisa soprando e fazendo as folhas das árvores farfalharem, ouvir
os rumores dos campos e também os seus silêncios.
Para
gerar esse nível de envolvimento da plateia, Schnabel usa o recurso da câmera
na mão em grande parte das cenas – o que pode gerar certo incômodo em pessoas
que sofrem de enjoo de movimento, que foi o meu caso – e ainda deixa as bordas
do quadro embaçadas, sinalizando não só a forma de Van Gogh ver o mundo como
também as distorções e confusões causadas por seus distúrbios psicológicos (que
até hoje geram discussões médicas quanto ao diagnóstico).
Outro
acerto do filme é colocar Paul Gauguin (vivido por Oscar Isaac) como
contraponto de Van Gogh. Embora tivessem modos opostos de pensar – Van Gogh só conseguia pintar o que via e queria ser o mais realista possível na captura das emoções, enquanto Gauguin preferia registrar na tela o que estava em sua imaginação –, eles estabeleceram uma conexão verdadeira porque ambos tinham em comum a fidelidade aos seus princípios e a suas visões e, por isso, admiravam um ao outro.
Mas
o filme é mesmo de Willem Dafoe, que, inclusive, foi indicado ao Oscar 2019 na
categoria ‘Melhor Ator’ (e, confesso, torço para que ganhe). Apesar de ter
quase o dobro da idade que Van Gogh tinha no período retratado (o pintor tinha
37 quando morreu; Dafoe atualmente tem 63), seu vigor e sua entrega ao papel tornam
sua performance 100% crível (além do fato de Van Gogh ter uma saúde precária
naquela época). Para realmente encarnar o artista, Dafoe leu a biografia do
pintor, analisou seus quadros e teve aulas de pintura com Schnabel, não só para
aprender as técnicas, mas para entender como se dá um processo de criação, como
o olhar vai mudando com o tempo.
Van
Gogh achava que estar em contato com a natureza é uma forma de se comunicar
diretamente com Deus, e dizia que pintava para um público que ainda não havia
nascido. Se a arte é uma forma de driblar a morte, podemos dizer que o artista,
sem dúvida, foi muito bem-sucedido e conseguiu cruzar o portal da eternidade.
Nota:
4 pincéis sujos de tinta (4/5).
Trailer:
Comentários
Postar um comentário