Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Um retrato de um povo que resiste mesmo diante do colapso
Nós espelhamos na arte aquilo que a realidade, mesmo
que absurda, oferece à nossa subjetividade. Essa é uma síntese do que o codiretor
de Bacurau, Juliano Dornelles, disse a jornalistas quando perguntado sobre a
incrível semelhança que o longa tem com o Brasil atual. O filme, que apresenta
uma distopia em um futuro próximo, é dirigido e escrito por Kleber Mendonça Filho, em parceria com Dornelles, e apresenta o pequeno
povoado nordestino de Bacurau, onde vive um
povo simples, que sofre com as mazelas do descaso público, porém extremamente
harmonioso e unido. Essa união chega a seu
ápice quando o povoado começa ser atacado por um inimigo desconhecido.
A partir daqui pode haver spoilers, então avance apenas se quiser.
Bacurau
expressa uma visão em escala do Brasil, como um país que ainda é visto como colônia, porém, mais que isso, é um retrato das
entranhas do Brasil, os sertões onde está de fato o povo, visto como inferior no próprio país. Os
estrangeiros, com respaldo de políticos, organizam-se num clube sádico que
pretende caçar pessoas e matá-las. Por quê? Ué, estamos num país de pessoas
inferiores. Ninguém nessa “colônia” vai ter a capacidade de se reunir para
resistir a um ataque, né? Para os
forasteiros sulistas, no auge da sua superioridade e sedentos pela aprovação dos estrangeiros, isso é óbvio, principalmente
em um povoado no interior de Pernambuco.
O
que eles não imaginam é que esse povo tem uma capacidade inimaginável de união
e organização para
rebelar-se. A placa na entrada de Bacurau já dá o aviso: “Se for, vá na paz.” Do contrário, o pacifismo fica de lado e a
violência (com tintas bem tarantinescas, e Kleber já falou que é fã do diretor
americano) dá as caras. Oras, até que ponto é plausível
aceitar o ataque de maneira impassível? Não que o povoado esteja completamente
distante da violência, há
personagens como o matador Pacote (Thomas Aquino) e o guerrilheiro Lunga (Silvero Pereira), ou o arsenal de armas
escondidas embaixo da cidade, mas o fato é que o momento
de ferocidade chega como forma de reação, mesmo após a tentativa de negociação pacífica, feita pela médica Domingas (Sônia
Braga), que tenta convencer Michael (Udo Kier), organizador
do clube de caça humana, oferecendo a ele alimento logo na entrada de Bacurau.
O
longa é, antes de tudo, encorajador, ao mostrar um povo sem medo, que se impõe,
mesmo diante da barbárie, disposto
ao diálogo, mas não bobo. Essencial hoje, frente ao sentimento de medo que governos, em especial o do Brasil, têm
despertado em todos aqueles que tenham o mínimo de humanidade e conhecimento. Fomenta a construção
de uma identidade do que é ser brasileiro,
diante do
entreguismo ao estrangeiro, ao imperialismo, ao descaso público e ao culto à
violência (expresso na busca por liberação de armas).
De
fato, um espelho da sociedade colapsada em que vivemos, infelizmente.
Nota: 5 doses de psicotrópicos
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