Midsommar: Descrucificando o paganismo sueco
Não é incomum ver mal
retratados diversos tipos de artes e artistas que não são mais tão contemporâneos.
A liberdade artística está aí para isso. Afinal, devemos expor nossos
pensamentos sobre as verdades por trás da história do mundo, arte, religião
etc. Quantos de nós assistimos a filmes como “Maria Antonietta” ou “Valente” e
pensamos em como seria incrível nascer em outra época e experimentar aquele
estilo de vida? Porém, por trás dessa bela retratação, deveríamos nos lembrar
da higiene precária, falta de conhecimento, morte prematura por doenças que são
facilmente curadas hoje e uma vida nem um pouco pacífica, pois os belos centros
urbanos não passavam de lugares fedorentos com poucas opções e nem mesmo a
realeza escapava dessa precariedade.
Desde que o Cristianismo
apareceu como a religião unificadora e de única salvação, muitas que vieram
antes dela foram ligadas ao demônio, à perdição eterna, à tortura de almas que
professavam sua fé por uma crença diferente. “As brumas de Avalon”, de Marion
Zimmer Bradley, retrata bem como a bruxaria tradicional sofreu com essa
mudança, fazendo com que algumas religiões (como o druidismo) se perdessem para
sempre. O Cristianismo se propagou e se baseou em antigos festivais pagãos e
imagens de deusas e deuses que foram transformados em seus santos e
festividades de nosso senhor, Jesus Cristo (como a Páscoa, festival pagão de
Ostara, e o Natal, data de nascimento de mais de 20 deuses, mas não de Jesus
Cristo).
Pois bem, o que isso
tem a ver com Midsommar?
Usei o Cristianismo
como exemplo por ser a religião mais popular do mundo. Mas o que acontece
quando uma religião deixa de ser popular e uma nova doutrina, mais contemporânea
e amigável à nossa época, surge? Ela quebra as bases das crenças antigas e te
convence a acreditar que ela faça mais sentido do que a atual. Isso quer dizer
que a religião é ruim? Não, o Cristianismo é uma doutrina maravilhosa, já as
pessoas que querem te convencer a ser Cristão... nem tanto. O mesmo acontece
com o paganismo tradicional, religião que explicava os eventos da natureza e
seu culto. As festividades pagãs mais tradicionais comemoram as mudanças de
estações, colheita e mudanças climáticas ou de duração dos dias. Talvez suas práticas
(como sacrifícios, em alguns casos) sejam abomináveis para nós, seres humanos evoluídos.
Por isso precisamos pensar no contexto em que existiram.
Pelas palavras do crítico
David Ehrlich, “Midsommar fez pelos rituais pagãos tradicionais o que Psicose fez em relação aos chuveiros”.
O maior tabloide
sueco, Aftonbladet, diz que, em
Midsommar, “tudo é quase que comicamente rural. Tudo no filme é bem pensado,
com pinturas tradicionais e cabanas de madeira que nos fazem pensar em tradições
suecas, mas, é claro, tudo é distorcido”.
O Goteborgs-Posten, maior jornal de Gothenburg, diz que o filme é “claramente
uma apropriação cultural. Não tenho nada contra corajosamente falar de outras
culturas... mas, mesmo assim, me senti inquieto na poltrona do cinema. Você
realmente tem o direito de difamar o que temos de mais bonito, que é o festival
de Midsummer, a esse ponto?”
Jornalistas suecos dizem que o filme gerou perguntas internacionais, tais como: é comum pessoas idosas se suicidarem no Midsummer? Vocês ainda oferecem as virgens das aldeias para diluir a genética? Vocês ainda escrevem com runas mágicas?
No site,
vemos uma matéria que diz “Depois do Natal, o Midsummer é o feriado mais
importante no calendário sueco. Para alguns, é o mais importante”.
Como um país que celebra feriados Cristãos pode apoiar o suicídio em um festival originário do país?
Midsommar, o filme, é, acima de
tudo, um alerta. Um alerta de que as doutrinas e suas práticas seguem a evolução
e a crença humana e de que sempre haverá alguém para deturpar uma bela cultura
(nesse caso, um belo país e um feriado que apenas celebra o solstício de verão).
O filme foi, certamente, uma grande ofensa aos pagãos e à Suécia, e uma ofensa
maior ainda para sua audiência, pois usa a arte para transmitir ideias e
informações erradas. Pesquisem bastante antes de assistir a um filme como esses
para não desenvolverem ideias erradas sobre um belo costume. Quanto ao diretor,
tudo o que tenho a dizer é: que vergonha!
Ps.: Antes que alguém venha dizer, ah, mas isso é apenas ficção, há que se considerar o respeito/desrespeito por trás de uma "obra de ficção". A Ana já mencionou o filme de terror e de mau gosto que explora a morte de Sharon Tate e as supostas visões que ela tinha de sua própria morte, visto pela irmã de Sharon como sem classee e explorativo. O Filme Turistas, de John Stockwell, que retratava um Brasil em que turistas vêm aqui para morrer e ter seus órgãos retirados apra venda no mercado negro teve uma péssima recepção por aqui - mas, pelo menos nesse caso, o diretor teve no mínimo a decência de pedir desculpas ao governo e ao povo brasileiro.
Eu me senti assim também assistindo ao filme A Bruxa, um desserviço a quem tenta afastar os esteriótipos que tanto condenaram pessoas ao longo de séculos. Eu escrevi um romance de ficção histórico no qual tento mostrar quem eram essas mulheres condenadas e que não há conexão com o demônio ou coisa parecida. Mostro aquelas mulheres em seus rituais íntimos, sua conexão com a natureza, sua familiaridade com as ervas e seu desinteresse em se encaixar em padrões cristãos e por isso foram demonizadas. E, então, vem um filme como a Bruxa, carregado de esteriótipos (teve até a bruxa comendo criancinha), o pacto com o demônio, e joga lama, mostrando que os cristãos estavam certos... Eu saí da sessão de cinema arrasada, com raiva mesmo.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário. Eu não vi A Bruxa e tenho receio de ver para não passar raiva... Ainda mais depois que li, além do seu comentário, isso daqui: "Yohana Desta da Mashable afirmou que The Witch é uma "experiência incrivelmente trabalhada que vai fazer você ir procurar uma igreja assim que sair do cinema." =/ Eu sou bruxa, logo... imagina como eu me sinto vendo esses desserviços, ainda mais que sigo as linhas celta/nórdica... No caso de Midsommar, teve (muita) gente que ainda achou ridículo os suecos ficarem "incomodados"! É muita ignorância, xenofobia, tudo junto... =/ O único a pedir perdão, como citado aí, foi o diretor de Turistas, o resto acha que pode brincar com coisa séria em nome da ficção. É triste. =/ Parabéns por escrever tentando seguir o rumo contrário.
ExcluirTem esse daqui, que eu escrevi também - http://www.bagulhossinistros.com/2019/09/o-que-ha-de-real-por-tras-de-midsommar.html (Este post aqui em que você comentou eu passei a pauta para a colaboradora e coloquei uns pitacos tb). E louvam esse filme como se fosse uma obra-prima, é de chorar... =/
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