Resenha do livro A parte que falta, de Shel Silverstein (Editora Companhia das Letrinhas)
Para
uma melhor compreensão deste post, aconselho a ler o livro.
A
Parte que Falta foi um livro que eu encontrei ao passar pelo feed do meu
Facebook. Passando por ele, encontro um vídeo da Jout Jout lendo esse livro
infantil e simplesmente me apaixonei, por isso fui e o comprei em uma promoção
da editora.
O
livro é infantil, mas tem um peso bem maior para os adultos. Shel Silverstein
trata com graciosidade e habilidade sobre assuntos sensíveis.
A
Parte que Falta fala sobre um círculo com uma parte triangular que lhe falta e
este círculo incompleto vai em busca
dessa pequena parte, vivendo aventuras, passando por dificuldades, e procurando
e procurando.
A
primeira vez em que ouvi falar desse livro e depois o li, eu o achei encantador, com um forte toque
de que somos completos de nosso jeito e conseguimos encontrar nossa felicidade
sozinhos. Na segunda vez que li, achei que nosso círculo incompleto não tinha
uma simples coisa: Equilíbrio.
Vamos
tentar analisar sobre esse ângulo:
Neste
livro fica bem claro o que o autor quis passar, auto-reconhecimento, amor
próprio, busca pela felicidade. Contudo, se observar bem de perto, podemos ver
que o amor romântico foi um pouco descartado.
Nosso
corajoso círculo incompleto, que eu vou chamar de Jerry (porque é mais fácil
escrever) vai em busca da parte que falta nele, e rola por vários lugares, conversa
com uma minhoca, cheira uma flor, aproveita a vida com uma borboleta, e é feliz
assim. Só que não é o que ele quer. Jerry quer uma parte para se completar e
por isso continua rolando.
E
Jerry acha partes, diversas partes, só que elas não são do jeito que ele
queria. Apenas quatro partes são do jeito que ele quer: uma não o quis, a outra
ele não segurou com força suficiente e ele a perdeu, a terceira ele quebrou e a
quarta, ambos correram pela vida e ele a deixou.
O livro não trata apenas de auto-compreensão. Trata do individualismo em uma relação e a falta de equilíbrio.
A
primeira parte estava certa. Quem gosta de estar na sua e de repente chega
alguém falando que você é a parte que falta nele (a)? Vocês nem se conhecem e a
pessoa já se apropria de ti.
A
segunda não foi segurada com força suficiente. O que me faz imaginar que mesmo
que estivesse tudo bem entre o Jerry e essa parte, ele vacilou em algum momento
e acabou perdendo-a.
A
terceira parte teve um relacionamento que me assustou. Fiquei horrorizada com a
terceira parte sendo quebrada e o Jerry saindo tranquilamente (apenas um pouco
triste). Para mim, isso foi simplesmente a representação de um relacionamento
tóxico. O Jerry a segurou com força, muita força, e possivelmente falava para
ela que era porque ela o completava, e por isso a coitada ficou até ser
quebrada e em frangalhos vê-lo ir atrás de outra parte.
Como
podem ver, não gostei nem um pouco dessa completude.
A
quarta parte foi perfeita. Eles se completavam e rolavam rápido demais pela
vida, nenhum deles aproveitando-a. E por isso ele a larga e continua sua vida
sozinho e aproveitando os momentos de felicidade em vez de correr por eles.
E
qual é o problema dessa quarta? Simplesmente a falta de equilíbrio. Concordo
plenamente que devemos primeiramente nos entender, amar e buscar a felicidade
por nós mesmo. Concordo que somos completos nas nossas incompletudes. Mas também
concordo que se temos 84% , que uma pessoa de 16% não irá nos completar.
Relacionamentos
são mais sobre acrescentar e subtrair do que completar. Talvez você seja uma
pessoa 100% que se relaciona com uma pessoa 10% e vira 110%. Ou esse
relacionamento vai fazer você cair para os 90% enquanto o outro subiu para 30%.
Passar
pela felicidade correndo não é aconselhável.
Outra
coisa bem explicita na história é que várias partes não serviram para o Jerry.
Ele simplesmente abandonou as partes durante a história. Seja porque ela era
muito quadrada para ele, ou as pontas dela o incomodavam, talvez porque não
foi o que ele imaginava como seria ter aquela parte com ele. Todas abandonadas
para descobrirmos que ele ficaria melhor sozinho.
O
amor romântico foi totalmente descartado. Por nenhuma parte o Jerry lutou, ou
nenhuma parte lutou pelo Jerry. Simplesmente
seguiu seu caminho, só.
Não
que eu seja contra esse estilo de vida (verdade seja dita, esse estilo é o que
eu sigo), mas também não acho que largar uma parte que te deixou feliz só
porque nenhum dos dois souberam como administrar a velocidade que percorreram e que o
caminho não seja tão correto também. Aqui caímos nas problemáticas dos
relacionamentos contemporâneos, a individualidade, superficialidade,
descartabilidade e impulsividade.
Impulsionado
a procurar uma parte perfeita, Jerry descartou várias outras partes e se baseou
em uma ideia superficial de relacionamento com a quinta parte, para no final,
por não conseguir cantar sua música, deixá-la.
Só
que só acho que deveria ter um adendo de que ao descobrirmos como sermos
felizes sozinhos, podemos sim buscar em outras pessoas como ser feliz em
conjunto.
E
se você não é uma dessas pessoas que não se sente feliz em conjunto e só
sozinho, apenas não tente ficar com as pessoas que querem ser felizes com os outros,
não quebre ninguém e vá embora deixando a pessoa em pedaços. E se você não sabe onde está sua felicidade, talvez devesse rolar um pouco mais e talvez você
ache a borboleta que vai te deixar feliz.
“Mas
no início desse querer está a lucidez, a liberdade para entender. Nosso estar conosco
mesmos – esse diálogo silencioso que mantemos sem cessar – nos diz que jamais
poderemos ficar plenamente satisfeitos com nossa existência singular, se ela está embotada no círculo premente
da prosperidade estúpida. A infelicidade que vem de fora: as tensões, a violência
e a estupidez que tantas vezes destroem a vida coletiva, se compaginam mal com
a boaventura desejada. Mas esse ponto de
insegurança inevitável é, por outro lado, estímulo e provocação para essas
outras metas que preenchem o horizonte ideal no qual se conforta e orienta a vida. Um
descontentamento que nos ensina o sentido mais apaixonante de cada iniciativa
humana e que nos empurra constantemente na direção de uma felicidade pessoal, impossível,
se não tende, de algum modo, para a companhia e a felicidade dos outros. Uma
utopia paradoxalmente à mão e que somente pode ser alcançada no reconhecimento e
na aceitação da insuperável finitude de nossa generosa infelicidade.- Emilio
Lledo, Elogio da Infelicidade”
Alguns artigos:
O amar, o amor: uma perspectiva contemporâneo-ocidental da dinâmica amorosa para os relacionamentos.
Comentários
Postar um comentário