Los Territorios (de Ivan Granovsky): brincando com as fronteiras entre ficção e realidade
Depois
do ataque ao jornal Charlie Hebdo em Paris, Ivan, o filho fútil de um
importante jornalista argentino, embarca em uma jornada perseguindo diferentes
eventos e conflitos geopolíticos ao redor do mundo. No entanto, encontrar os
acontecimentos na linha de frente é uma tarefa árdua. E ainda mais difícil do
que se tornar um correspondente de guerra é marcar as fronteiras entre sua vida,
o egocentrismo que o guia, seu pai e os conflitos globais da atualidade.
Ou,
traduzindo a sinopse oficial acima, a história de um homem branco, hétero,
classe média, usando todos os seus privilégios para viajar pelo mundo de graça
enquanto finge ter um propósito na vida.
Como
o próprio protagonista diz no início de "Los Territorios",
embora ele venha de uma família de jornalistas, vai para a faculdade de Cinema
porque considera mais fácil que a de História – o que já deixa claro sua
mentalidade de acomodado. Depois de formado, se dedica a produzir três filmes,
todos financiados com o dinheiro da mamãe, nenhum deles finalizado, já que o
bonito cansou da brincadeira. Então, um belo dia, ele acorda e decide que quer
realizar mais uma fantasia infantil: brincar de guerra. E lá vai ele mundo
afora, mais uma vez botando as contas no cartão de crédito da mãe e utilizando
os contatos do pai, fingindo se importar com as mazelas do mundo, fazendo de
conta que finalmente tomou juízo e quer seguir a profissão dos outros parentes,
mas, no fundo, usando todas as vantagens que tem apenas para se divertir.
É
incômodo ver um ser jogando fora tantas oportunidades na vida, oportunidades
que muitas pessoas nem sonham em ter. Imaginem quanta gente gostaria de poder
estudar, de ter contatos para lhe abrir as portas, de ter dinheiro para
realizar seus projetos, de poder rodar pelo mundo sem ser barrado por causa da
cor da sua pele, de não ser desacreditado por causa do seu sexo. É duro ver um
marmanjo de trinta e tantos anos bancar o mimado ingrato e ainda assim levar a
melhor. É pior ainda saber que há muitos dele na vida real.
Mas
até agora eu estava falando de Ivan, o personagem. A grande sacada do filme é
brincar com os limites entre ficção e realidade. Ao contrário do Ivan da tela,
o Ivan de carne e osso, diretor de "Los Territorios", propõe um jogo
interessante ao usar sua própria biografia (o personagem é interpretado por ele
mesmo, o pai dele é de fato jornalista e Ivan viajou de verdade com ele e pelo
mundo para rodar um filme) para criar uma obra que deixa o espectador em dúvida
sobre se o diretor é apenas aquele folgado que faz uma ode à sua babaquice ou
se é, no fundo, um sujeito esperto que conta a história de um cara que não quer
crescer e age feito um idiota, e, assim, faz uma crítica a tal comportamento.
Eu prefiro acreditar que seja a segunda opção.
Além
de usar a própria imagem, a própria história e o próprio nome para reforçar a
confusão entre o que é real e o que é ficção, a brincadeira com as fronteiras
também aparece quando Ivan vai recitando os países e suas capitais enquanto as
bandeiras das respectivas nações aparecem na tela – os limites que separam um país do outro nada mais são que linhas imaginárias definidas por pessoas e, muitas vezes, delimitam territórios mas ignoram outros fatores que importantes que constituem uma nação, como o idioma e a religião, além das questões políticas. Mas a última pista para
saber o que é Ivan, afinal, é fornecida apenas nos últimos minutos do filme,
quando ele revela qual o seu papel na trama. Achei perspicaz.
Outra
coisa que corrobora minha teoria é o curta exibido antes do filme, e que
conversa diretamente com ele. “The Beast” se passa em um parque-safári
na África do Sul, onde vemos os turistas (brancos e com grana) em busca de uma
“experiência única” para mostrarem para os amigos na volta, procurando
registrar com suas câmeras o mundo “real e exótico” daquela terra distante,
tratando, assim, todos os nativos como coisas e não percebendo que não poderiam
estar mais equivocados quanto à realidade daquele lugar e daquelas pessoas.
Mais uma ótima crítica à galera privilegiada que passa pelo mundo sem
preocupações, sem enxergar o mundo que está bem diante de suas caras.
Nota:
3,5 cartões de crédito platinum
Estreia:
7 de junho
Trailer
legendado
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