Histórias que nosso cinema (não) contava: pornochanchada como resgate histórico
Utilizando
trechos de filmes nacionais com estilos e temáticas diferentes realizados na
década de 70 e jogados todos no mesmo balaio sob a classificação pejorativa de
“pornochanchada”, a diretora Fernanda Pessoa revisita esse período de nossa
história, marcado pela ditadura militar, e, agrupando as imagens por assunto,
apresenta um retrato do povo brasileiro, seus costumes e problemas cotidianos.
Ainda
que não haja um narrador conduzindo a história, não é difícil decodificar os
temas tratados com base exclusivamente nas cenas selecionadas e combinadas em
certas sequências na montagem. Desde os primeiros fragmentos, que partem de um
panorama mais geral, iniciado com a chegada dos colonizadores portugueses, já fica
claro o que somos: uma nação que se encanta com tudo que brilha e vem de fora,
onde aqueles que têm um pouco mais de dinheiro que os demais acham que fazem
parte da elite global e perpetuam a mesma exploração predatória de seus
antepassados, capitalizando produtos e pessoas.
Preconceito
racial, machismo, diferenças de classes, o “milagre econômico”, religião,
sexualidade e até a tortura nos anos de chumbo são temas que aparecem no longa.
Embora a primeira coisa que nos venha à cabeça ao ouvir o termo “pornochanchada”
sejam filmes de baixo orçamento com histórias bobas recheadas de cena de nudez
gratuita, dá para notar que há muito mais escondido sob tal alcunha. Talvez
seja exatamente por causa do preconceito com os filmes assim categorizados que
assuntos sérios, como os citados acima, tenham passado batido pelos censores na
época.
Mais
do que simplesmente recortar um número de cenas e emendá-las a outras
reproduzindo a visão de determinada época e de certas pessoas, a cineasta usa
tais imagens para criticar o que é mostrado e considerado “padrão”. A
perspectiva exclusivamente masculina do corpo das mulheres (e sua
objetificação) é subvertida quando uma mulher se apropria dessas imagens e as
monta em outra ordem, estabelecendo novas ligações – e esse trabalho é muito
bem-feito (ainda que o montador seja homem, Fernanda é quem estava no comando).
E mesmo nas obras de origem, todas com direção masculina, há personagens
femininas incríveis, que discutem assuntos importantes que ainda não foram
resolvidos, como o aborto, por exemplo, e apontam a hipocrisia da “família
tradicional brasileira”.
Durante
os 5 anos de pesquisa, mais de 100 filmes foram vistos e, desses, 29 foram
selecionados. Uma tarefa árdua, pois, além de obter a autorização dos cineastas
para uso das imagens, Fernanda ainda fez um enorme trabalho de resgate, já que
muitos desses filmes estavam perdidos, nem seus produtos e/ou detentores dos
direitos possuíam uma cópia das obras. Sinal claro de que precisamos, de fato, conhecer e valorizar nossa história e nosso cinema.
Saiba
mais sobre "Histórias que nosso cinema (não) contava" aqui.
Nota:
Quatro latas de filme encontradas no porão (4/5)
Estreia:
23 de agosto
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