A moça do calendário: quando sonho e realidade se misturam
Inácio (André Guerreiro Lopes) é um ex-gari de meia-idade que atua como dublê de dançarino e trabalha na oficina mecânica Barato da Pesada. Preso a uma rotina entediante que suga sua energia vital, o único momento do dia em que se sente realmente vivo é quando sonha com a moça do calendário (Djin Sganzerla).
Como
a maioria dos personagens do filme, Inácio é um trabalhador triturado pelas
engrenagens do capitalismo: ele é apenas mais uma peça, substituível e
descartável. Pior, ele é uma peça defeituosa, pois atrapalha a produtividade da
empresa ao chegar atrasado diariamente porque sofre com uma dor de cabeça
crônica, o que o faz peregrinar de clínica em clínica atrás de consultas e
exames que possam revelar a origem do problema.
Não
à toa, todas as cenas que se passam na oficina mecânica são em preto e branco e
Inácio quase sempre é filmado de cima, sendo humilhado pelo patrão. Nesse cenário de
desesperança, o único vestígio de cor é o vestido vermelho da moça do
calendário, que, sentada sedutoramente sobre o capô de um jipe, sorri para o
funcionário frustrado. Quando termina seu turno, Inácio é engolido pelo caos da
metrópole e, mais uma vez, o vemos pequeno, insignificante,
invisível, vagando pelas ruas da cidade.
Ao
chegar em casa, no entanto, Inácio consegue aliviar parte da pressão que o
oprime, descarregando em sua esposa, igualmente cansada e infeliz, parte de
suas frustrações. A mulher com quem por algum motivo ele decidiu se casar e que
desbota dia a dia ao seu lado para manter um teto sobre suas cabeças e um prato
de comida na mesa já não tem mais encanto, e somente a versão idealizada do
amor tem apelo para ele, apenas a perfeição da mulher inatingível que habita
suas fantasias. Mas será que se a tal moça saísse dos sonhos e viesse para o
mundo real ela continuaria sendo tão incrível assim? É o que Inácio está prestes a descobrir.
O
filme não tem uma narrativa cronológica e o tempo parece se distender e
encolher em alguns momentos, refletindo a sensação de desconforto dos
personagens com o ambiente em que vivem. Realidade e sonho se misturam nesse
filme que tem mensagens claras sobre lutas de classe, questões de gênero,
isolamento e falta de comunicação. Embora seja intencional o estilo mais
teatral de interpretação utilizado no filme, o tom panfletário, me incomodou um
pouco. De qualquer modo, é um filme visualmente bonito e que trata de assuntos importantes
que precisam ser discutidos.
Nota:
3/5 copos de cerveja
Estreia:
27 de setembro
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